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Memorial de um compromisso

O processo de digitalização dos acervos sonoros da Funarte

Na última década do século XX, Frank Justo Acker, pioneiro das gravações “ao vivo” no Brasil, entregou ao Centro de Documentação da Funarte (Cedoc) uma parte significativa de seu valioso acervo de registros fonográficos. Eram registros sonoros que ele realizara sobre os projetos de música da Funarte: Bienais de Música Contemporânea, Projeto Pixinguinha e Salas Funarte. Este grande expoente nacional encerrava um ciclo de sua vida profissional, toda ela dedicada ao registro de uma das mais autênticas manifestações culturais do nosso povo, a música. Era desejo de Frank que o acervo por ele gravado fosse devolvido aos seus verdadeiros donos. Frank dizia na ocasião ao seu discípulo Doudou: “O conjunto deste acervo pertence ao povo brasileiro. É a presença viva do brasileiro diante de sua música que eu registrei. Minha esperança é que um dia, ao ouvirem estes registros, os brasileiros se reconheçam em sua música”.

Introdução

2001, primeiro ano do 3º milênio, começo da aventura. A convite de Paulo César Soares, fizemos neste ano nossa primeira visita ao CTAV – Centro Técnico Áudio Visual/Funarte – na Avenida Brasil, 2482, em Benfica, Rio de Janeiro, onde se encontravam os Acervos Sonoros da Funarte. Foi nossa oportunidade de ter o primeiro encontro pessoal com a equipe do Cedoc-Funarte. Dilma Ferreira do Nascimento, responsável no local pelo acervo, mostrava grande preocupação com sua preservação. Cada fita colocada para tocar em um dos antigos gravadores de rolo do CTAV lhe causava imensa preocupação: “Cuidado, estas fitas são únicas, nós não temos cópias”.

As fitas

Fitas magnéticas apresentam diversos problemas com o decorrer do tempo. Todas requerem um tratamento longo e atento antes de sua reprodução, cada uma com suas particularidades. Elas devem ser identificadas pelo ano de fabricação, o país onde foram feitas e os materiais utilizados na fabricação. Deve ser avaliado o seu estado de conservação. Cada fita deve ser delicadamente rebobinada e organizada em velocidade lenta em um carretel auxiliar. Às vezes, elas precisam ser desamassadas ou emendadas onde se romperam.

Um tratamento de desidratação deve ser aplicado para minimizar o fenômeno conhecido como hidrólise, umidade acumulada pelo fixador do óxido sobre o suporte de poliéster da fita.

A cola utilizada para fixação do óxido sobre a fita colapsa quando reage com a água. Este processo é nocivo para o material gravado, pois cada vez que a fita é reproduzida o óxido se solta e se deposita nas cabeças e guias do gravador, sintoma conhecido como “fita grudenta”. Aos poucos o material gravado se perde, restando apenas o poliéster da fita.

Por fim devem ser reconhecidos o formato e a velocidade da gravação original. As fitas dos Acervos Sonoros da Funarte são de bitola, rolos de ¼ de polegada e K7. São três os formatos básicos das gravações: dois canais gravados em ½ pista, dois canais gravados em ¼ de pista e dois canais em fita cassete. São quatro as velocidades de gravação encontradas em fitas de rolo: 15 ips, 7 ½ ips, 3 ¾ ips, 1 7/8 ips – o padrão de medida da velocidade de gravação é representado pela sigla “i.p.s.”, inch per second (polegada por segundo).

Para reproduzir gravações realizadas em fitas de rolo e cassetes com segurança para o conteúdo gravado, todos esses passos são necessários.

Os gravadores

Gravadores de rolo não se fabricam mais desde a última década do século XX. É indispensável para a reprodução correta das fitas que a máquina utilizada para a leitura destes registros esteja com o mais alto padrão de reprodução na velocidade e formato corretos.

Quando soubemos, no final do ano de 2004, que a longa batalha por recursos para o projeto de digitalização dos Acervos Sonoros da Funarte chegara ao fim, com os recursos já disponíveis para 2005, nossa alegria era do tamanho de nossa responsabilidade.

Esta responsabilidade nos levou em janeiro de 2005 ao Teatro Scalla de Milão, onde, escondidos em seus porões, encontramos vários gravadores de época (1960 a 1989) que levamos para serem realinhados na Inglaterra, onde um técnico especializado na marca ReVox mantém condições técnicas atualizadas para consertar máquinas de mais de 20 anos de idade.

Todas as peças desgastadas pelo uso ou pela idade foram trocadas. Novas cabeças de leitura foram colocadas, uma vez que a fábrica ReVox continua a produzi-las para atender aos audiófilos adeptos do som “vintage” e aos técnicos de áudio que trabalham com a recuperação de arquivos sonoros.

Os casos críticos

O rigor técnico e a dedicação do Centro de Documentação da Funarte conservaram os acervos em bom estado. Nossa avaliação é feita seguindo as normas internacionais de guarda de arquivos nos Estados Unidos e na Europa. A comparação pode ser comprovada através das experiências e os critérios publicados na web.

Apesar de todos os esforços de preservação, fitas de rolo têm qualidades variáveis de acordo com o ano e o país onde foram fabricadas. Algumas marcas e modelos têm notórios problemas técnicos na hora da reprodução. É o caso das fitas Scotch da 3M, fabricadas no Brasil nos anos 1970 e 1980. Estas fitas trazem em suas caixas um aviso nada animador – “o fabricante não tem nenhuma responsabilidade explícita ou implícita por nenhum material gravado nesta fita, sendo seu único dever, em caso de defeito de fabricação, trocar por uma fita nova igual”.  O problema destas fitas se deve ao ressecamento de um lubrificante de silicone que na época foi acrescido ao suporte de poliéster e, pensava-se então, iria facilitar o deslizamento da fita sobre as cabeças do gravador. Poucos anos depois este material foi condenado. O conceituado fabricante paralisou sua produção e não se encontra nenhum registro do defeito em seus espaços institucionais atuais.

Assim, fitas deste modelo defeituoso com registros de Cartola, João Nogueira, João de Aquino, Elomar, Paulo Moura, Martinho da Vila, Ângela Maria, e vários outros artistas brasileiros apareceram com sérios problemas de leitura.

Todavia, nossas pesquisas nos levaram até um inventor de Tel Aviv que produz desde 2003  um lubrificante experimental, caríssimo, para tentar resolver este tipo de problema. O correio nos trouxe de Israel um precioso líquido extremamente volátil, que deve ser aplicado a cada três segundos sobre a fita deslizante e, após delicadas operações, fez ressurgir do ruído a voz de nosso divino Cartola e o som do público escutando com devoção.

É admirável o trabalho invisível de tanta gente do Centro de Documentação da Funarte que permitiu que ao longo de três décadas fosse conservado o retrato de uma época através de seus compositores e intérpretes populares.

A digitalização

São necessárias muitas horas de trabalho e atenção para cada hora final de áudio digitalizado. A transcrição do acervo nos remete a uma época que ainda vibra na memória de muitos. É especialmente interessante o fato de estes registros trazerem uma fotografia (ou fonografia) do público da chamada MPB, que lembra a empolgação dos festivais da canção e a mobilização da sociedade em torno de ideais coletivos.

Podemos ouvir, sentir e praticamente ver as platéias calorosas e numerosas que testemunharam a importância do Projeto Pixinguinha e sua necessidade como política pública de cultura.

Este registro é particularmente rico quando se trata das gravações de Frank Justo Acker. Defensor das gravações “ao vivo” onde os artistas aparecem sem “retoques”, ele costumava colocar microfones na platéia para gravar as reações do público que, para Frank, era parte integrante do acontecimento musical.

A passagem dos anos mostra a aparição de novas tecnologias a serviço da música. Surgem os teclados, sintetizadores, efeitos sonoros, baterias eletrônicas. Transforma-se a sonoridade dos eventos. O som se amplifica, se eletrifica, se inventa, se busca.

Destacaram-se, no entanto, várias gravações dentro do acervo do Projeto Pixinguinha de excelente qualidade sonora e musical. Verdadeiras pérolas vão somar-se ao nosso já vasto acervo de música popular brasileira gravada. Encontros históricos entre artistas, uma marca do Projeto Pixinguinha, registros inéditos ou únicos com qualidade de áudio digna de qualquer selo ou gravadora.

As fitas transcritas foram cadastradas pelo seu conteúdo, (repertório, músicos, intérpretes) dados técnicos e duração. Cada fita é tecnicamente melhorada na sua audibilidade, para se tornar um CD de fácil acesso e audição.

Qualidade é a palavra que resume 30 anos de esforços para trazer para o público contemporâneo um pouco da história do Projeto Pixinguinha.

Quando o Brasil produz cultura resultam produtos de surpreendente valor.

REALIZADORES

EQUIPE TÉCNICA DA GRAVADORA ALTERNATIVA DE MÚSICA INDEPENDENTE DO BRASIL LTDA.

Coordenação geral – Bruno Tavares

Coordenador técnico – Doudou (Philippe Ingrand)

Tratamento do arquivo – Francisco Gregório

Transcrições das fitas (músicos) – Márcia Gonçalves, Marcelo Menezes e Lucio Maia.

Apoio de produção: Ivan Correa

Assessoria em informática: Amaury Machado

Consultoria em repertório: Alexandre Lemos

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Sobre o Autor, Bruno Tavares

Pesquisador, músico e responsável técnico pelo projeto de digitalização do Acervo Sonoro da Funarte, realizado entre 2005 e 2006.

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