Fregolente: faces de um ator rodriguiano
Com carreira extensa, saudoso ator era identificado como intérprete perfeito, no teatro e no cinema, para os personagens criados por Nelson Rodrigues
O ator Fregolente (centro da foto) na peça 'Bonitinha, mas Ordinária', de 1962. Foto Carlos. Cedoc/Funarte.
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Ator considerado rodriguiano por excelência – intérprete explosivo, sanguíneo, temperamental, nas palavras do crítico teatral Yan Michalski – Fregolente ganhou de Nelson Rodrigues, em 1966, demonstração de carinho explícita: na coluna que mantinha no jornal O Globo, o dramaturgo, em meio a considerações sobre o ambiente perverso que se instaurava nas coxias, destacava o ator como símbolo de bondade e talento.
Mais adiante, na mesma coluna, o escritor relatava episódio curioso envolvendo a dupla: “Imaginem vocês que eu estava ontem na redação escrevendo o meu romance O Casamento. Nisto bate o telefone. Era o Fregolente, que eu não via há séculos. E agora quero que o leitor se comova como eu: o Fregolente vinha me comunicar que, aos 53 anos, estava se formando em Medicina, era médico.” Nelson Rodrigues se deslumbrava com o fato de o ator – que nascera no mesmo ano que ele , 1912 – naquela altura da vida, ainda se demonstrar disposto a passar por grandes transformações, ao se especializar em psiquiatria. E se deliciava ao narrar o diálogo de ambos no telefone: “Que coisa deslumbrante o riso do Fregolente e repito: o som do riso do Fregolente. Berrava no telefone: ‘Na idade em que o sujeito só pensa em morrer, eu só penso em curar!’ Explodia em gargalhadas ao dizer isso”.
O cafajeste Heitor Werneck de ‘Bonitinha, mas Ordinária’
Tendo participado, em sua trajetória, de mais de 200 peças e 100 filmes, Ambrósio Fregolente morreria aos 66 anos, vítima de enfarte e, apesar do extenso currículo, acabaria sendo lembrado como um dos mais hábeis intérpretes de tipos rodriguianos. O ator paulista – que se formou em Medicina por ter feito uma promessa à mãe, no anúncio de sua mudança para o Rio de Janeiro – deixou sua marca no universo rodriguiano com personagens como o cafajeste Heitor Werneck, o milionário de Bonitinha, mas Ordinária, em montagem de 1962 com Tereza Rachel, sob direção de Martim Gonçalves, papel que repetiria em 1974 sob direção de Antunes Filho. Em 1963, o ator integraria o elenco da versão cinematográfica do texto, dirigida por J. P. de Carvalho. Também no cinema, em 1966, participaria de uma versão para Beijo no Asfalto, sob direção de Flávio Tambellini e, em 1975, de adaptação para O Casamento, sob direção de Arnaldo Jabor.
No Centro de Documentação (Cedoc) da Funarte, é possível encontrar fotos do ator, pertencentes à Coleção Foto Carlos, em montagens como a de Os Sete Gatinhos, dirigida por Álvaro Guimarães, em 1967. Em entrevista ao jornal Correio da Manhã em 1969, o ator faria o seguinte comentário sobre o referido diretor: “O menino queria que eu aparecesse arriando as calças, de costas para o público, numa cena em que o personagem que eu fazia ia ao banheiro. Eu protestei e disse pra ele: ‘não amigo, isso eu não faço não, não é preciso’. E não fiz. Depois veio a censura e proibiu até que aparecesse o vaso. Imagine se eu ainda estivesse lá, como complemento”.
Sobre a fama cultivada de Nelson Rodrigues, na mesma entrevista, sentenciaria: “Ah, meu Deus, Nelson Rodrigues um péssimo caráter? Não, nunca. O Nelson é um bom. Esse negócio dele dizer que mulher gosta de apanhar é só estardalhaço para vender livros. O que ele é na verdade é um gênio do diálogo. Acredito que ele só será realmente compreendido depois de sua morte…”