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Deocélia Vianna: Uma companheira de viagem

Deocélia Vianna. Fotógrafo não identificado. Cedoc-Funarte

Deocélia Vianna. Fotógrafo não identificado. Cedoc-Funarte

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(texto de 2006)

Nascida em Curitiba no dia 2 de março de 1914, teve o nome registrado como Deuscélia por seus pais – Raul de Souza Reis, jornalista boêmio, de família modesta, e Sylvia Requião Reis, de família bem situada na vida. Aos 19 anos conhece Oduvaldo Vianna (então, com 41), na sede da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) de São Paulo, onde Deocélia trabalhava como datilógrafa. Começou datilografando peças de Oduvaldo, como A canção da Felicidade e Amor. Ali nasceu a amizade que também virou amor. Mas ele vivia com Abigail Maia, uma grande atriz da época, com quem tinha duas filhas. Apaixonado, Oduvaldo separa-se de Abigail e consegue anular um casamento realizado na juventude. Casa-se com Deocélia a 11 de março de 1935 e uma semana depois embarcam em lua-de-mel para Buenos Aires. Oduvaldo fora convidado pela atriz Paulina Singerman para dirigir os ensaios da versão castelhana de Amor, cuja estreia estava marcada para abril na capital portenha.

Em Buenos Aires, no Teatro Cômico, Amor festejou 500 representações seguidas, todas elas irradiadas diretamente do teatro, noite após noite. O casal passou três meses na cidade, indo a jantares e a homenagens prestadas a Oduvaldo, inclusive uma ceia, quando ele foi nomeado cônsul honorário da República de La Boca. Voltando ao Brasil, foram residir em Ipanema, na Rua Visconde de Pirajá. Sua gravidez, Deocélia passou quase toda datilografando o roteiro do filme Bonequinha de Seda, que Oduvaldo dirigia na Cinédia.

No dia 4 de junho de 1936 nascia Vianninha, um garotão de 5,1kg. Depois de um filme inacabado (Alegria), Oduvaldo voltou sozinho a Buenos Aires, onde passou um mês dirigindo a adaptação que fez de sua peça teatral O Homem que Nasceu Duas Vezes, mas a produtora faliu e ele não recebeu o que lhe deviam. No Brasil, as coisas também não iam muito bem: a Escola Dramática que ele dirigia fechou e o campo de trabalho foi ficando cada vez mais restrito.

O casal resolveu então, em 1939, voltar para Buenos Aires. Nessa época, Oduvaldo produzia alguns programas para o Instituto Brasileiro do Café, na Rádio El Mundo, e tomou conhecimento das novelas de rádio que, na Argentina, já eram bastante populares. Deocélia o assessorava, datilografando as adaptações que ele fazia de clássicos da nossa literatura. Resolveram voltar ao Brasil em fins de 1940 e aqui lançar as radionovelas, pois era o que dava dinheiro.

Quando Oduvaldo Vianna dirigia a Rádio São Paulo, produzia o programa Papinho da Dona Genoveva, em que apresentava uma mulher que falava ao telefone sem parar, sem dar tempo para que “seu Batista” dissesse “a”. Foi um sucesso. O bordão “coisa horrorosa, seu Batista!” pegou como uma queixa da população. Depois de um mês, Oduvaldo já estava cansado e Deocélia assumiu o programa que, na verdade, tinha mais a ver com a alma feminina, porque falava da vida cara, da falta de leite, do gasogênio e de escândalos da época.

Outro programa criado pelo marido, na Rádio São Paulo, foi o Correio sem selo, destinado a responder às centenas de cartas das fãs. Deocélia conta que era mais um trabalhinho para ela, que lia uma por uma, preparava um resumo das mais interessantes e, na hora, Oduvaldo respondia. Assim, ela iniciou sua carreira no rádio. A partir daí, o nome de Deocélia passou a ser mencionado nas coautorias com Oduvaldo, ou mesmo individualmente. O nome do marido sobressaía, vendia, pois já tinha uma carreira construída há mais de 20 anos. Por isso, os contratos continuavam sendo feitos por ele. Deocélia declarou que as novelas que escrevia iam quase sempre com o nome dos dois. Ela o ajudava a cumprir os contratos que ele assinava. Em carta ao amigo Reis Perdigão, Oduvaldo refere-se ao trabalho dela: “Minha mulher é meu braço direito. A metade da minha produção é feita por ela. Acho que ambos acertamos”.

Não fosse a colaboração de sua dedicada companheira, seria difícil – ou mesmo impossível – escrever tantas radionovelas e os muitos radioteatros unitários e seriados, além de programas variados. Como ele próprio chegou a declarar, na década de 50 era então o responsável por 60 e tantos programas radiofônicos mensais. Oduvaldo Vianna vendia suas radionovelas – e as de Deocélia – para uma rede de emissoras de todo o Brasil e também para a Argentina e o Uruguai. As estações de rádio começaram a produzir novelas de manhã à noite, nos mais diversos horários. Em setembro de 1956, a Rádio Nacional  levava ao ar diariamente 16 novelas, além de 10 programas de radioteatro.

Oduvaldo Vianna passou por várias emissoras: Rádio São Paulo, Panamericana, Emissoras Associadas (Tupi-Difusora São Paulo) e Nacional. Deocélia ajudava-o não só na datilografia, mas também nas traduções e nas adaptações, pois para dar conta da demanda ele se inspirava em clássicos da literatura nacional e universal, bem como adquiria novelas de autores argentinos, as quais traduzia e adaptava ao ambiente brasileiro.

Tornaram-se muito populares os programas do tipo Madame d’Anjou, que ela dirigia, correio sentimental cujas cartas das ouvintes eram dramatizadas e respondidas por Deocélia Vianna. Assim era também o Teatrinho das Cinco ou o Teatrinho Singer, cujas cartas das ouvintes, também dramatizadas e respondidas por Deocélia, falavam sobre a vida cara, a falta de leite, além dos contos remetidos pelos ouvintes. Esses programas foram ao ar pela Rádio Difusora São Paulo, em 1952 e 1953, diariamente. Nessa época, Deocélia recebeu o Prêmio Roquete Pinto por indicação dos cronistas radiofônicos de São Paulo.

Não há um levantamento preciso da produção do casal Vianna, porque além de não terem sido preservados, também se perderam originais de radionovelas, radioteatros e programas radiofônicos (queimados em incêndios, extraviados em mudanças, emprestados e não devolvidos por emissoras do interior, deteriorados ou desaparecidos de arquivos públicos ou dos pertences da família etc.). Algumas das radionovelas de Deocélia Vianna foram: Adversidade, Almas Torturadas, Alvorada de Sonhos, Amor que Reviveu, Calvário de Mulher, Baile de Máscara, Duas Vidas, Céu Cor-de-rosa, Estrada sem Fim, Uma Estranha Mulher, O Fantasma do Passado, Maldição, Perseguição, Til, e muitas outras. Deocélia Vianna deixou uma obra que merece ser estudada, porque suas novelas faziam tanto sucesso quanto as do seu mestre Oduvaldo Vianna.

Militância política

Desde 1930, quando toda gente gritava “Queremos Getúlio, queremos Getúlio!”, ela também gritava sem saber o porquê. Trabalhava como datilógrafa numa editora quando leu Os Dez Anos que Abalaram o Mundo, de John Reed, e que abalaram também as suas ideias. Os Vianna sempre foram simpatizantes do Partido Comunista. Embora não participassem dele diretamente na época da ditadura Vargas, emprestavam sua casa para reuniões de seus membros. Certa vez, na década de 40, o apartamento onde moravam em São Paulo fervia com três reuniões simultâneas – na sala, a ala intelectual; em um dos quartos, o Comitê Feminino; e no quarto de Vianninha, a Juventude Comunista. Inesperadamente, surgiria ainda o líder Agildo Barata que, à falta de outro local, reuniu o Comitê Estadual na cozinha mesmo.

Em 1945 o PCB entraria na legalidade. Quando Luiz Carlos Prestes foi libertado, o partido decidiu homenagear os intelectuais simpatizantes com uma carteirinha que os tornaria membros do partido. Houve uma cerimônia oficial, no Rio de Janeiro, para a entrega. Oduvaldo era um dos homenageados, mas não pôde comparecer. Mais tarde, ele foi ao Rio para receber sua carteira e declarou: “Bem, agora sou comunista de carteirinha!”. Nas eleições de janeiro de 1946, seu nome surgiria como candidato a deputado estadual pelo PCB. Deocélia participou ativamente da campanha do marido que ficaria, então, como primeiro suplente.

Em 1947, porém, o presidente Dutra colocou novamente o PCB na ilegalidade. Deocélia Vianna passou a atuar na Federação das Mulheres, onde a luta ia bem além dos direitos da mulher, reivindicando a paz e as liberdades democráticas. Foi nessas constantes reuniões em casa que Vianninha ficou conhecendo Agildo Barata, Armênio Guedes, Câmara Ferreira Pacheco, José Maria Crispin, João Massena, Carlos Marighela e outros, daí a dedicatória de sua peça Rasga Coração à “velha guarda”.

Os Vianna participaram das campanhas “O Petróleo é Nosso” e contra a guerra da Coreia. Deocélia escrevia para o jornal Hoje, órgão do partido, crônicas intituladas A vida como a vida é, com fatos narrados pelas mulheres dos núcleos das Associações Femininas. Devido à sua posição política e à independência que mantinha em relação à direção, Oduvaldo Vianna foi despedido das Associadas e Deocélia, solidária ao marido, pediu demissão. Passaram maus pedaços…

Os aniversários do Cavaleiro da Esperança sempre foram comemorados na casa dos Vianna, embora somente em 1961 o casal viesse a conhecer pessoalmente Luiz Carlos Prestes. Ainda em 1961, eles receberam o convite para uma viagem à China, passando por Moscou. O convite partiu do velho companheiro Marighela, porém, oficialmente, eles integravam uma delegação latino-americana de profissionais de rádio e televisão a convite da Rádio de Pequim.

Deocélia e Oduvaldo acompanharam toda a participação de Vianninha no CPC da UNE, até o golpe de 1964, quando Oduvaldo Vianna teve seus direitos políticos cassados e seu trabalho como novelista, na Rádio Nacional, interrompido. Passaram, então, a viver da aposentadoria que ele recebia do Instituto dos Comerciários (IAPC). Para colaborar nas despesas, Deocélia escrevia textos para fotonovelas que eram publicadas nas revistas Amiga e Sétimo Céu.

Politizada, mulher forte e lutadora, Deocélia Vianna acompanhou de perto a trajetória de dois talentosos dramaturgos que deixaram seus nomes marcados na história do teatro, do cinema, do rádio e da televisão em nosso país. Desenvolveu seu talento como radionovelista com humildade e, de certa forma, à sombra do talento do marido e do filho, como uma fortaleza. Quando Oduvaldo Vianna morreu, ela declarou que metade da sua vida se fora com ele: “Nós vivemos juntos, juntos como dois olhos num olhar”.

Tal como aconteceu com seu pai, o super-Oduvaldo, Vianninha estava só com a mãe quando faleceu na manhã de 16 de julho de 1974, às 7 horas – hora em que seu pai também havia morrido há dois anos. Deocélia dizia que a outra metade da sua vida morreria junto com o único filho. Mas ela, que nunca foi mulher de muitos choros nem de muitos desesperos, pensou que fosse morrer. Porém resistiu, até produzir o livro em que ela narra a trajetória dos Companheiros de Viagem, publicado em 1984. Poucos anos depois, Deocélia Vianna morreu no Rio de Janeiro, em 2 de agosto de 1987.

Saiba mais sobre Deocélia Vianna em:

COSTA, Jeanette Ferreira da. Da Comédia Caipira à Comédia-filme: Oduvaldo Vianna, um Renova­dor do Teatro Brasileiro. Dissertação de mestrado – CLA/UNIRIO, Rio de Janeiro, 1999.

__________. A Dramaturgia Radiofônica de Oduvaldo Vianna. Tese de doutorado – CLA/UNIRIO, Rio de Janeiro, 2005.

MORAES, Denis de. Vianinha: Cúmplice da Paixão. Rio de Janeiro: Editora Nórdica, 1991.

VIANNA, Deocélia. Companheiros de Viagem (memórias). Pesquisa de Maria Célia Teixeira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

Sobre o Autor, Jeanette Ferreira da Costa

Pesquisadora teatral.

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Comentários

1

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roberto requiao

enviado em 29 de maio de 2011

Outros detalhes da vida de Deocélia nos conhecemos.

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